sábado, 5 de fevereiro de 2011

Profissão: dona de casa

**A pauta**

Início da tarde, ônibus lotado. Um casal tinha uma discussão audível sobre os planos para o casamento, que pelo jeito estava próximo. O noivo sugeriu que a noiva saísse do emprego, que não era “lá essas coisas”, e ficasse por conto dos preparativos para a festa. Ela não ficou feliz com a idéia e o ônibus todo pode acompanhar a discussão...

**O ponto**

Não é de hoje que as mulheres trabalham fora de casa. Ter um emprego e trabalhar fora foi uma das maiores conquistas femininas do século XX. Aliás, uma conquista que começou como necessidade, e ainda há mais tempo. “As mulheres começaram a receber salários desde a Revolução Industrial (que teve início no século XVIII, na Inglaterra) . Entretanto, o trabalho feminino era menos valorizado que o trabalho masculino e a dupla ou tripla jornada de trabalho era uma realidade: as mulheres, além de trabalharem nas fábricas ainda eram (e são, grandemente) responsáveis pelo trabalho doméstico e pelo cuidado dos filhos.” É o que afirma a professora Daniela Rezende, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa e que estuda os Gêneros.

A noiva do ônibus não aceitou a proposta do noivo. Mas a Elvira Leal sim. Em 1979 ela trabalhava em uma loja em Belo Horizonte. O seu então noivo fez a mesma sugestão – que ela saísse do trabalho, que não pagava bem, e que se dedicasse a cuidar do casamento e dos filhos que planejavam ter – e ela aceitou sem nenhum problema. De 1979 para 2011 algumas coisas mudaram, e Daniela Rezende acredita que é preciso considerar se de fato (cuidar da casa) é uma escolha, se as mulheres têm autonomia para escolher, ou se essa "escolha" pelo lar é um reforço de valores tradicionais, de imposições históricas à mulher, vistas como naturais.”. Elvira realmente viu a sugestão com naturalidade, mas também pensou bem antes de se decidir. “Eu trabalhava no comércio, longe de onde ia morar, recebia pouco e meu salário ia acabar indo todo para pagar alguém pra cuidar da casa. Ninguém me achou doida de largar o emprego, e eu não me senti mal, porque não fui obrigada a fazer isso.”

Hoje, seus filhos estão “criados”. E Elvira está aposentada. É isso mesmo. Ela foi dona de casa porque quis, e acredita que as mulheres que fazem essa opção devem procurar alguns direitos. Antes de aceitar a sugestão do futuro marido ela também lhe fez uma proposta: ele iria contribuir para a previdência social em nome dela, e sem reclamar. Agora ela pode gastar seu tempo e dinheiro com algumas coisas de que precisou abrir mão quando mais nova. Ela acha que o marido fez um ótimo negócio: “Ele não precisava se preocupar com quem estava tomando conta dos nossos filhos, da nossa casa, e eu também não. Se eu trabalhasse fora, ia ficar dividida. Eu fiz o que ele queria, mas também fiz minhas exigências”.

Esse “ficar dividida” entre o trabalho e a família pesa para muitas mulheres. Elas trabalham fora, mas quando chegam em casa ainda têm as “tarefas domésticas” para realizar. Para Daniela, isso é “uma sobrecarga para a mulher e indica que estamos longe de alcançar a igualdade entre os sexos. Se o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos fosse distribuído entre homens e mulheres ele não representaria um peso para a mulher e essa escolha pela vida profissional não se apresentaria como uma ‘pressão.”

Apesar de não se arrepender da decisão, Elvira terminou nossa conversa dizendo que acha que as mulheres devem pensar muito antes de fazer o mesmo que ela. “Eu não tinha uma carreira, não ia crescer na profissão, e me sinto bem cuidando de casa. Mas fazer isso sem gostar ou abrir mão de um futuro profissional não me deixaria realizada e seria totalmente diferente.”

Formar uma família, ter uma casa e criar os filhos são tarefas que exigem muita dedicação. Algumas mulheres realmente se sentiriam bem apenas cuidando dos filhos, mas talvez alguns homens também se sentiriam assim. A conversa ouvida no ônibus me fez pensar: será que, caso a mulher tivesse um salário maior que o do homem, poderia ter feito a proposta contrária? Será que ele aceitaria com naturalidade a sugestão de sair do emprego dele para cuidar da casa? É uma pergunta que Daniela Rezende defende que todos se façam: “É a predeterminação de escolhas com base no sexo/gênero que deve ser questionada.”

E isso a Ana Paula já ouviu num outro ônibus ...


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