sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sobre futebol, torcedores e a violência

*A Pauta*

Depois do primeiro jogo da final do campeonato mineiro, no último dia 8 de maio, dois rapazes conversavam no ponto de ônibus sobre o resultado. Um deles comentou, rindo: “jogador de futebol ganha muito bem, mas não pode sair de casa quando perde que corre o risco de apanhar na rua. Pior é torcedor, que não ganha nada e apanha também!”.

*O Ponto*

A violência nos estádios, e também fora dele, entre torcedores, é um problema que não é ignorado por ninguém que acompanha minimamente o futebol brasileiro. Não se passa um ano sem que algum caso mais sério aconteça e ganhe destaque na mídia.

Como o rapaz que conversava no ponto de ônibus bem disse, jogadores de futebol de grandes clubes ganham bem. Aliás, ganham muito bem. Um jogador faz parte de um determinado time exatamente por isso, pelo salário que recebe. É uma profissão.

É isso o que parece que alguns torcedores não entendem. Futebol é esporte, é paixão, mas é também comércio. Se um jogador tiver propostas melhores, na maioria das vezes não vai hesitar em trocar o time. Verdade seja dita, acredito que (quase) nenhum jogador partiria pra agressão para “defender” seu time. Violência entre jogadores, lamentavelmente, também é comum, mas não porque eles estão defendendo o time X ou Y. A agressão acontece simplesmente porque sentem alguma injustiça contra o time em que estão jogando naquele momento, independentemente de que time seja. Se o jogador A joga no time 1, vai brigar pelo time 1. Se amanhã ele estiver jogando pelo time 2, grandes as chances de que ele brigue pelo time 2. O mesmo vale para a maioria dos técnicos. Os atletas podem até nutrir predileção ou mesmo paixão por um time, mas isso não os impede de “trabalhar” para outros. É o mesmo caso de quem, em qualquer profissão, sonha em trabalhar em determinada empresa. Se você não conseguir um emprego nela, vai trabalhar para empresas diferentes, não é?

É diferente do que acontece entre torcedores. A maioria das pessoas que gosta e acompanha futebol torce por um time só ao longo da vida. E os que se sentem compelidos a agredir torcedores adversários parecem nutrir um sentimento pelo seu time mais profundo do que qualquer jogador ou dirigente, que basicamente depende daquilo para viver. Alguns torcedores parecem não entender que o jogo é sim uma batalha, mas dentro do campo. Que o papel da torcida é dar força para o time, não se “vingar” caso algo dê errado. O resultado do jogo não vai mudar. E o que conta É o resultado.

Para mim, esporte é diversão. Eu, que não compito em nenhum esporte, não faço apostas e não tenho ações de nenhum time, não ganho absolutamente nada quando “meu time” ganha ou perde. Claro, fico alegre, às vezes emocionada. Mas eu sei que aquilo passa, depois vem outro jogo, e a sorte pode ou não estar do meu lado. Porque para mim, é tudo uma questão de sorte. Não é assim para os jogadores, que se preparam, praticam, e podem realmente mudar de vida com aquilo. Mas o pior que pode acontecer com um torcedor em caso de derrota é ouvir piadinhas no trabalho ou na escola, e só.

A violência no esporte não é exclusividade do Brasil. E é claro que se deve cobrar das autoridades medidas preventivas e soluções para os casos que acontecem no país. Mas a questão maior e mais básica, na minha opinião, é a educação e a convivência. A intolerância está presente em tantas esferas no nosso dia-a-dia, que vê-la tão presente no que deveria ser lugar de descanso e lazer, é no mínimo lamentável (apesar de não ser novidade, como a fala tranqüila do rapaz no ponto de ônibus indicou). Não fiz nenhuma pesquisa e não tenho como me aprofundar no assunto aqui, mas acredito que essa violência é reflexo de questões mais profundas, inclusive socioeconômicas. O que não justifica e nem diminui a tristeza desses casos.

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O objetivo desse post não foi encontrar explicações para esse ‘fenômeno’ da violência relacionada ao futebol, foi mesmo apenas um “pensar alto” sobre um assunto que me incomoda bastante. Se você também já se pegou pensando sobre isso, tem uma opinião diferente ou um caso para contar, divida com a gente nos comentários! E até o próximo post.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Entre olhares e clichês

**a Pauta**

Era um fim de tarde quando duas pessoas entraram em um ônibus cheio na região central de São Paulo. Os constantes olhares, o riso contido me fez olhar novamente as pessoas, na tentativa de entender o que estava acontecendo. As duas mulheres altas e de cabelos longos que tinham acabado de entrar eram na verdade dois travestis.


**o Ponto **

Essa não foi a primeira vez que presenciei uma cena parecida com essa, dentro de outros coletivos ou mesmo nas ruas. Não é difícil perceber a reação das pessoas quando um travesti está por perto. Além do riso e dos olhares persistentes, em determinados momentos há reações mais extremas e exaltadas.

As pessoas que praticam as transformações de gênero criam e se autodenominam de diferentes formas. São vários os termos para as múltiplas identidades que permeiam esse universo. No entanto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), um(a) travesti seria aquele(a) pessoa que age e se veste como o outro gênero, porém não quer fazer a cirurgia de mudança de sexo. Já os/as transexuais sentem a necessidade de fazer cirurgia por se sentirem pertencentes do outro gênero desde o nascimento.

Recentemente, o termo transexual esteve presente na grande mídia: a entrada de uma transexual no Reality show mais famoso do Brasil e o destaque de Lea T, modelo transexual e filha de um ex-jogador de futebol brasileiro serviram como norte para as discussões feitas na mídia. Entre clichês e entrevistas pingue pongue, o tema tem sido abordado majoritariamente de forma superficial, deixando a gravidade do assunto para poucos veículos retratarem.

Contudo, através da reportagem intitulada “Como mudar de sexo”, publicada na edição 43 da Revista Piauí, tive maior contato com o tema e pude conhecer mais sobre os conflitos psicológicos que os trans vivem. Aliás, essa reportagem se destaca pelo tipo de abordagem, onde personagens ilustram a realidade burocrática daqueles que dependem de hospitais públicos para mudar de sexo.

Apesar de sabermos que a mídia exerce papel fundamental na promoção de debates e reflexões de temas socialmente relevantes, precisamos entender que os debates não devem se esgotar nela. Isto é, existem assuntos que devem ser pensados muito além do que a mídia sugere, ou muito mais do que o espaço que ela designa. Afinal, o oposto da violência é o diálogo, a relativização do pensamento e a oportunidade de múltiplas vozes. 

domingo, 3 de abril de 2011

Escolha profissional: uma questão de prestígio

*A Pauta*

Um rapaz e uma moça, de vinte e poucos anos, conversavam no ônibus. Pelo que entendi, eram conhecidos que não se viam há um tempo. O rapaz perguntou sobre uma amiga em comum. A garota respondeu que ela estava desempregada, e completou “mas também, foi estudar secretariado! Trabalho que qualquer um faz.”.

*O Ponto*

Alguns cursos não têm muito prestígio.

Não sei se era uma coisa da universidade onde eu estudei, mas sempre ouvi piadinhas com os alunos de algumas graduações, como se certas profissões fossem mais importantes, ou melhores, do que outras. Algumas são mais bem remuneradas, é claro, outras trazem mais benefícios práticos e mensuráveis para a sociedade, mas dizer que um curso é “melhor” do que outro é um julgamento de valor bastante pessoal, creio eu.

Quando ouvi essa conversa no ônibus, fiquei pensando sobre o porquê disso. Alguns cursos são realmente novos, e por isso é normal que sejam menos valorizados do que cursos tradicionais, como direito e medicina. Se formos pensar, não faz muito tempo que existem universidades no Brasil: uma pesquisa rápida no Google informa que em 1808, foi criada a Escola de Cirurgia da Bahia, hoje Faculdade de Medicina da Bahia; mas a maioria dos historiadores diz que a primeira a reunir mais de um curso – ou de uma faculdade – foi a do Rio de Janeiro hoje UFRJ, criada em 1920. A noção de curso superior, então, é relativamente recente no nosso país. Mais recente ainda é o acesso a essa educação pela classe média. São mais cursos sendo oferecidos e mais pessoas podendo/querendo cursá-los. É mesmo bom que se tenha variedade.

O problema é que, na hora de escolher um curso, todo mundo tem uma opinião para dar. Sei que muita gente que escolhe Arquitetura ouve que devia ter feito Engenharia. E os que fazem curso superior de Enfermagem? Já presenciei pessoas sugerindo que só escolhe esse curso quem não tem capacidade para cursar Medicina. O que não é verdade de maneira nenhuma!

Na hora da inscrição para o vestibular ou no Enem, muita coisa pode ser levada em conta. Muita gente tenta prever, ou analisar friamente, as futuras necessidades do “mercado”. O fato é que não se pode prever o futuro. Formar-se num curso “do momento”, com muitas oportunidades profissionais, não é garantia de felicidade (nem de emprego) para ninguém. Escolher uma profissão aos 17, 18 anos, já é bastante cruel. Eu, particularmente, não conhecia metade das opções quando tinha essa idade. Mais tarde, já na universidade, é que fui descobrir cursos, profissões, possibilidades.

É ótimo que haja incentivo para algumas áreas e profissões. O país pode se beneficiar muito se formar mais engenheiros civis? Claro! Mas o país pode se beneficiar muito se tiver profissionais de qualidade em todas as áreas! Sejam eles engenheiros, físicos, médicos, advogados, professores, jornalistas, contadores, historiadores, etc.! Pode se beneficiar muito também se tiver profissionais de nível técnico bem formados e bons profissionais de áreas que exigem menos qualificação, mas que tenham noções de segurança do trabalho, que conheçam seus direitos e deveres e tenham boas condições de trabalho.

Não conheço a garota que fez secretariado e está desempregada, não sei se ela gostou do curso, se era seu sonho ou se estudou isso por conveniência. Mas tenho minhas dúvidas se, caso ela tivesse estudado Direito ou Engenharia e estivesse desempregada, a culpa recairia sobre sua escolha...

O que vocês acham? Já foi criticado pela sua escolha profissional? E se arrependeu da escolha, ou acha que não pode ter feito melhor? Aos comentários!

domingo, 6 de março de 2011

Infância à venda!

*A Pauta*

Passaram por mim, descendo do ônibus, uma garota, de uns 7 anos, e sua avó. As roupas da menina, porém, não tinham nada de infantil, e antes de descerem do ônibus ouvi ela perguntar: “Vó, minha maquiagem já saiu? Ainda tô com a sombra?”.


*O Ponto*

Eu já fui uma menina de 7 anos. E como a maioria delas, eu ficava extremamente agitada quando ganhava uma “pintura” (como eu chamava na época). Era tão adulto! Usar maquiagem aos 7 anos era emocionante, era “adulto” e não era sério. Fazia parte da brincadeira, como era brincar de casinha ou de qualquer outra coisa.

Não sei se era esse o caso da garotinha no ônibus, mas o que me espanta hoje é ver que meninas de 7, 8 anos já não gostam de ser chamadas de crianças, frequentam salão e gastam tempo e dinheiro preocupadas com a própria imagem.

Fiquei pensando sobre isso, essa onda de “vaidade infantil”, e como ela também pegou os meninos. Claro que na minha infância já havia um ou outro garoto mais preocupado com o visual, mas no geral os meninos eram conhecidos por não se preocuparem com nada. Hoje, é normal encontrar meninos de 9 anos usando brinco, cortes de cabelo da moda e extremamente preocupados com o visual.

As crianças parecem viver cada vez menos a infância. Toda essa vaidade, preocupação com o visual e a imagem que os outros têm de nós, costumava ser algo que só começava na adolescência. Refletindo sobre isso, lembrei de um documentário que assisti faz um tempo aqui mesmo na internet. O filme chama “Criança, a alma do negócio” e fala sobre como a “redução” da infância cria mais consumidores, não só consumidores de artigos de primeira necessidade – comida, material escolar, lazer -, mas consumidores cheios de vontades e opiniões. (Abaixo você pode assistir a primeira parte do documentário. Ele está divido em seis partes, que você pode encontrar no youtube).


Faz bastante sentido, não é? Adolescentes são influenciáveis, parecem ter cada vez mais poder aquisitivo e costumam ter muito tempo livre (a maioria ainda não precisa se preocupar com trabalho e contas a pagar). Isso faz deles os consumidores dos sonhos do nosso sistema capitalista.

Isso tudo não é novidade. Quero dizer, há 15 anos uma lancheira já era mais do que uma simples bolsa para levar lanche para a escola, era também uma competição de quem tinha a mais recente, “da moda”, do melhor personagem. Arrisco a dizer que já bem antes dos anos 90 produtos temáticos vendiam mais e as crianças eram alvo fácil da publicidade. Mas não dá para negar que as coisas têm piorado, ou, tentando não julgar, têm ficado mais “intensas”. A TV ainda tem uma grande influência, mas ela ganhou uma poderosa companheira no computador. A internet serve muito bem para potencializar o consumista que existe em todos nós. Veja o filme! Navegue no site! E, claro, compre o produto!

Sinceramente, para que ficar falando das crianças quando eu posso perguntar: será que eu preciso mesmo daquele novo modelo de celular que só falta lavar a louça, de tão completo, e que eu fiquei morrendo de vontade de ter depois de ver tantas propagandas? No final, parece, somos todos “crianças”.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Lei da Palmada: convergências e divergências



** a Pauta**

Duas mulheres conversando no ônibus, uma delas era a própria  motorista do coletivo. Conversavam sobre família, filhos e de repente uma comenta da limitação que é educar um filho hoje já que não se pode mais nem bater nele por causa da  “Lei da Palmada”.


** o Ponto**

O projeto de lei  que ficou conhecido popularmente como a “Lei da Palmada” causou muita polêmica quando anunciado, dividiu opiniões e causou a revolta de muitos pais, que assim como as duas mulheres no ônibus,  se sentiram prejudicados e com seus direitos como pais e responsáveis lesados. Isso porque a Lei prevê a punição para qualquer tipo de castigo físico praticado contra crianças, independente da intensidade das agressões ou mesmo das desculpas para as mesmas. 

As divergências surgiram, primeiramente, pelo fato da lei interferir nas relações familiares, e a família, como todos nós sabemos, é uma instituição dificilmente penetrável  e que segue condutas próprias, essas que nem sempre condizem com a realidade imposta pelo restante da sociedade.
Por outro lado, a “Lei da Palmada” intervém em um costume que já faz parte da cultura de muitos brasileiros, afinal, a palmada é vista pela maioria das pessoas como um instrumento disciplinar, como algo intrínseco da educação.  Durante uma enquete que fiz como 10 pessoas, a maioria se mostrou contra a lei pelo fato de não considerarem a palmada uma agressão física e sim, algo necessário para educar seus filhos. Sei que essa amostra de apenas 10 pessoas  representa um número ínfimo, principalmente se pensarmos em nível nacional, mas mesmo assim, acredito que a opinião dessas pessoas reflete a da maioria dos brasileiros. 

            Se deixarmos nossa tradição de lado por um instante e refletirmos  um pouco sobre o assunto, possamos nos perguntar: qual é o verdadeiro fundamento de uma palmada? Particularmente, as raras palmadas ou chineladas que levei não me deixaram com traumas, mas, percebo que em muitos casos os pais fazem isso muito mais como um pretexto para aliviar uma raiva momentânea do que com o objetivo de realmente educar. Educação exige antes de tudo orientação, e é nessa hora que muitos pais falham.  

Além disso, ao conversar com uma amiga advogada sobre o assunto ela  disse que o projeto de lei é redundante, uma vez que já existe na constituição a lei contra a agressão física. Dessa forma, fica clara a ineficiência de nossas leis e de nossos legisladores. Leis não mudam os pensamentos, os costumes, a visão de mundo ou a forma de educar. Antes de se proibir deve-se explicar o porquê, deve-se orientar e tentar mudar.


sábado, 5 de fevereiro de 2011

Profissão: dona de casa

**A pauta**

Início da tarde, ônibus lotado. Um casal tinha uma discussão audível sobre os planos para o casamento, que pelo jeito estava próximo. O noivo sugeriu que a noiva saísse do emprego, que não era “lá essas coisas”, e ficasse por conto dos preparativos para a festa. Ela não ficou feliz com a idéia e o ônibus todo pode acompanhar a discussão...

**O ponto**

Não é de hoje que as mulheres trabalham fora de casa. Ter um emprego e trabalhar fora foi uma das maiores conquistas femininas do século XX. Aliás, uma conquista que começou como necessidade, e ainda há mais tempo. “As mulheres começaram a receber salários desde a Revolução Industrial (que teve início no século XVIII, na Inglaterra) . Entretanto, o trabalho feminino era menos valorizado que o trabalho masculino e a dupla ou tripla jornada de trabalho era uma realidade: as mulheres, além de trabalharem nas fábricas ainda eram (e são, grandemente) responsáveis pelo trabalho doméstico e pelo cuidado dos filhos.” É o que afirma a professora Daniela Rezende, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa e que estuda os Gêneros.

A noiva do ônibus não aceitou a proposta do noivo. Mas a Elvira Leal sim. Em 1979 ela trabalhava em uma loja em Belo Horizonte. O seu então noivo fez a mesma sugestão – que ela saísse do trabalho, que não pagava bem, e que se dedicasse a cuidar do casamento e dos filhos que planejavam ter – e ela aceitou sem nenhum problema. De 1979 para 2011 algumas coisas mudaram, e Daniela Rezende acredita que é preciso considerar se de fato (cuidar da casa) é uma escolha, se as mulheres têm autonomia para escolher, ou se essa "escolha" pelo lar é um reforço de valores tradicionais, de imposições históricas à mulher, vistas como naturais.”. Elvira realmente viu a sugestão com naturalidade, mas também pensou bem antes de se decidir. “Eu trabalhava no comércio, longe de onde ia morar, recebia pouco e meu salário ia acabar indo todo para pagar alguém pra cuidar da casa. Ninguém me achou doida de largar o emprego, e eu não me senti mal, porque não fui obrigada a fazer isso.”

Hoje, seus filhos estão “criados”. E Elvira está aposentada. É isso mesmo. Ela foi dona de casa porque quis, e acredita que as mulheres que fazem essa opção devem procurar alguns direitos. Antes de aceitar a sugestão do futuro marido ela também lhe fez uma proposta: ele iria contribuir para a previdência social em nome dela, e sem reclamar. Agora ela pode gastar seu tempo e dinheiro com algumas coisas de que precisou abrir mão quando mais nova. Ela acha que o marido fez um ótimo negócio: “Ele não precisava se preocupar com quem estava tomando conta dos nossos filhos, da nossa casa, e eu também não. Se eu trabalhasse fora, ia ficar dividida. Eu fiz o que ele queria, mas também fiz minhas exigências”.

Esse “ficar dividida” entre o trabalho e a família pesa para muitas mulheres. Elas trabalham fora, mas quando chegam em casa ainda têm as “tarefas domésticas” para realizar. Para Daniela, isso é “uma sobrecarga para a mulher e indica que estamos longe de alcançar a igualdade entre os sexos. Se o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos fosse distribuído entre homens e mulheres ele não representaria um peso para a mulher e essa escolha pela vida profissional não se apresentaria como uma ‘pressão.”

Apesar de não se arrepender da decisão, Elvira terminou nossa conversa dizendo que acha que as mulheres devem pensar muito antes de fazer o mesmo que ela. “Eu não tinha uma carreira, não ia crescer na profissão, e me sinto bem cuidando de casa. Mas fazer isso sem gostar ou abrir mão de um futuro profissional não me deixaria realizada e seria totalmente diferente.”

Formar uma família, ter uma casa e criar os filhos são tarefas que exigem muita dedicação. Algumas mulheres realmente se sentiriam bem apenas cuidando dos filhos, mas talvez alguns homens também se sentiriam assim. A conversa ouvida no ônibus me fez pensar: será que, caso a mulher tivesse um salário maior que o do homem, poderia ter feito a proposta contrária? Será que ele aceitaria com naturalidade a sugestão de sair do emprego dele para cuidar da casa? É uma pergunta que Daniela Rezende defende que todos se façam: “É a predeterminação de escolhas com base no sexo/gênero que deve ser questionada.”

E isso a Ana Paula já ouviu num outro ônibus ...


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